Entender de hierarquia de normas — como se organizam as normas e regulamentos de um país — é...
Controle de origem de produtos florestais: até onde vai a responsabilidade da sua empresa?
A gestão da conformidade legal ambiental engloba não apenas o controle das matérias-primas diretamente comercializadas pelas empresas, mas também os insumos de origem florestal utilizados no processo produtivo, que estão sujeitos à legislação florestal e ambiental brasileira.
Isso implica inclusive que sua organização deve se atentar à origem dos insumos advindos de fornecedores e de produtos de consumo interno que sejam de origem florestal.
A seguir, você confere detalhes de quais são os requisitos legais aplicáveis nesses casos e como deve ocorrer o controle de origem florestal.
Confira também porque a conformidade dos fornecedores é um elemento essencial para o cumprimento da legislação ambiental.
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O que são produtos de origem florestal?
São todos os produtos e subprodutos obtidos de florestas (nativas ou plantadas) utilizados por pessoas físicas ou jurídicas em diferentes atividades ou etapas da cadeia de produção.
Eles abrangem uma ampla gama de materiais vegetais e estão sujeitos à comprovação de origem legal — conforme indicado pelas normas aplicáveis.
Não há um conceito que defina expressamente o termo, mas o Decreto Federal nº 5.975/2006 descreve que as pessoas físicas ou jurídicas que utilizam matéria-prima florestal em suas atividades devem suprir-se de recursos oriundos de:
- Florestas plantadas, formadas com espécies exóticas ou nativas cultivadas para fins comerciais;
- Florestas nativas sob Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) regularmente aprovado e licenciado pelo órgão ambiental competente;
- Áreas de supressão de vegetação nativa cuja exploração foi autorizada pela autoridade ambiental, observadas as condicionantes legais;
- Outras formas de biomassa florestal, reconhecidas ou definidas pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), utilizadas em substituição à madeira nativa.
Do ponto de vista legal, essas são as únicas hipóteses em que o uso, transporte ou comercialização de produtos florestais é considerado regular, desde acompanhados dos documentos comprobatórios de origem, como o DOF – Documento de Origem Florestal para os produtos de origem nativa ou outros registros equivalentes previstos na legislação vigente.
O que diz a legislação sobre o uso de produtos florestais
Os produtos e subprodutos florestais no Brasil são regulados por várias normas, sendo umas das mais importantes:
- Código Florestal (Lei nº 12.651/2012):dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, altera algumas normas relacionadas e dá outras providências;
- Instrução Normativa MMA nº 6/2006: dispõe sobre a reposição florestal e o consumo de matéria-prima florestal, e dá outras providências.
- Decreto Federal nº 5.975/2006: regula dispositivos relacionados às matérias-primas de origem florestal.
- Lei de Crimes Ambientais ou Lei nº 9.605/1998:
Para operar, as empresas que utilizam insumos florestais devem comprovar que o material provém de fontes legalizadas. Isso abrange todas as organizações que utilizam madeira ou produtos florestais, sejam elas do setor madeireiro ou não.
Código Florestal ou Lei nº 12.651/2012
A Lei 12.651/2012, também chamada de “Novo Código Florestal Brasileiro”, estabelece normas gerais para a proteção da vegetação nativa no país, regulando especificamente:
- áreas de Preservação Permanente (APP);
- Reservas Legais (RL);
- uso ecologicamente sustentável da vegetação;
- controle da origem dos produtos florestais;
- prevenção de incêndios.
Entre os principais apontamentos da lei estão:
- a delimitação das Áreas de Preservação Permanente (APP), como margens de rios, encostas, topos de morros, várzeas, mangues, e outras formas que exercem função ambiental relevante, com restrições específicas ao uso para manutenção de sua proteção;
- a instituição e regulamentação das Reservas Legais (RL), ou seja, percentual mínimo da área de cada imóvel rural que deve manter vegetação nativa como forma de assegurar a sustentabilidade da propriedade, da biodiversidade e do solo;
- a criação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, um registro obrigatório de todos os imóveis rurais no País, visando mapear, monitorar e regularizar as áreas de vegetação nativa e aquelas consolidadas, além de permitir instrumentos de regularização ambiental;
- a previsão de instrumentos econômicos e de controle, como cotas de reserva ambiental (CRA) e outros incentivos financeiros ou compensatórios, para tornar factível a proteção e recuperação da vegetação nativa no contexto de produção rural.
Em conjunto, essas diretrizes visam promover o uso sustentável da terra, garantir a conservação dos recursos naturais e mitigar o impacto ambiental da agropecuária, reconhecendo ao mesmo tempo o papel estratégico da atividade produtiva no Brasil.
Instrução Normativa MMA nº 6/2006
A Instrução Normativa MMA nº 6/2006 regulamenta, para o âmbito federal, os requisitos de reposição florestal (a compensação do volume de matéria-prima florestal extraída de vegetação natural por plantios florestais) e define obrigações para as empresas que utilizam matéria-prima florestal.
Entre os principais apontamentos da norma estão:
- a obrigação das empresas que utilizam matéria-prima florestal de abastecer de fontes autorizadas (conforme descrito na norma) e de apresentar o demonstrativo anual de fontes;
- a regra de reposição florestal obrigatória para quem suprime vegetação natural ou detém autorização para tal, assim como as isenções para quem usa resíduos industriais, floresta plantada ou matéria-prima oriunda de manejo sustentável;
- as métricas (“volumes por hectare”) de débito de reposição por bioma (por exemplo: na Amazônia 40 m³/ha para madeira para processamento, 60 m³/ha para lenha/carvão; no Cerrado 40 m³/ha; Caatinga e outros biomas 20 m³/ha)
- as medidas a serem tomadas em casos de supressão em terras públicas ou sem autorização;
- o mecanismo de geração, vinculação e concessão de créditos de reposição florestal (quem planta ou promove plantio pode gerar crédito, que é vinculado ao plantio, certificado pelo órgão ambiental competente, e poderá transferir esse crédito para quem tem débito).
Decreto Federal nº 5.975/06
O Decreto Federal nº 5.975/06 trata da administração, do controle e da fiscalização de florestas públicas e privadas. Ele é um dos mecanismos que regulamenta a origem dos materiais florestais e indica quais devem ser as fontes de matéria-prima florestal, reafirmando o que é citado no Código Florestal:
Art. 11. As empresas que utilizarem matéria-prima florestal são obrigadas a se suprir de recursos oriundos de:
I - manejo florestal, realizado por meio de PMFS (Plano de Manejo Florestal Sustentável) devidamente aprovado;
II - supressão da vegetação natural, devidamente autorizada;
III - florestas plantadas; e
IV - outras fontes de biomassa florestal, definidas em normas específicas do órgão ambiental competente.
Parágrafo único. As fontes de matéria-prima florestal utilizadas, observado o disposto no caput, deverão ser informadas anualmente ao órgão competente.
Lei de Crimes Ambientais ou Lei nº 9.605/1998
A Lei de Crimes Ambientais disserta sobre a rastreabilidade de produtos florestais, bem como da responsabilidade solidária de quem adquire ou consome madeira sem verificar a origem legal.
Veja um trecho da Lei nº 9.605/1998:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
IMPORTANTE: a compra e o armazenamento de produtos de origem vegetal sem a devida licença também podem configurar crime:
Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.
A importância do Documento de Origem Florestal (DOF) na conformidade legal ambiental
O Documento de Origem Florestal (DOF) é o instrumento oficial do governo federal para o controle da origem, transporte, armazenamento, consumo e comercialização de produtos e subprodutos florestais de espécies nativas brasileiras.
Ele foi instituído pela Portaria MMA nº 253/06 e atualmente é regulamentado pela Instrução Normativa IBAMA nº 21/2014 (complementada pela IN nº 9/2016), integrando o Sinaflor - Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais.
O DOF tem o objetivo de garantir a rastreabilidade da madeira e demais produtos florestais nativos, comprovando que sua origem é legal e sustentável, de acordo com o Código Florestal e com a legislação ambiental vigente.
O documento é emitido e gerido por meio da plataforma digital do IBAMA responsável pelo registro:
- do Cadastro de pessoas físicas e jurídicas usuárias;
- de Movimentações de produtos florestais;
- dos Saldos de entrada e saída;
- das Autorizações de transporte, consumo e transformação.
Todas as movimentações de produtos florestais geram um número de DOF, que devem acompanhar os produtos até o destino, funcionando como o comprovante de legalidade ambiental.
O Sinaflor integrou DOF a outros modelos de controle ambiental como:
- Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV): permitem a retirada legal de vegetação nativa — total ou parcial — em áreas onde exista autorização ambiental;
- Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS): autoriza o uso econômico sustentável da floresta nativa, mantendo sua capacidade de regeneração;
- Registros de Transporte e Consumo: controla o transporte, armazenamento e consumo de produtos e subprodutos florestais de origem nativa.
Essa integração viabiliza o rastreamento completo da cadeia florestal, desde a origem (autorização de exploração) até o usuário final (consumo ou beneficiamento industrial).
Além das normas federais, cada estado pode exigir documentos e sistemas próprios para produtos de florestas plantadas e subprodutos. Verifique sempre a legislação da unidade federativa de origem e de destino do produto, bem como eventuais exigências municipais e da defesa agropecuária estadual.
Paletes e embalagens de madeira: requisitos obrigatórios para conformidade legal
O enquadramento legal dos paletes, embalagens e demais suportes de madeira utilizados no transporte ou armazenamento de produtos, é um tema que gera dúvidas nas empresas.
Embora muitas vezes sejam vistos apenas como itens logísticos, esses materiais também são derivados de recursos florestais e, portanto, devem ter origem legal comprovada.
Os paletes e caixotes de madeira são — quase sempre — produzidos a partir de espécies exóticas (como o pinus e o eucalipto) e, por isso, não se enquadram no mesmo regime de controle aplicável à madeira bruta.
Isso significa que eles não demandam a emissão do Documento de Origem Florestal (DOF), desde que sejam fabricados com madeira de florestas plantadas.
No entanto, a dispensa do DOF não significa a ausência de obrigação legal! Como dito acima, o Código Florestal e a Lei de Crimes Ambientais determinam, respectivamente, a procedência legal de toda matéria-prima florestal utilizada no país — independentemente de sua destinação comercial — e ainda prevê pena para quem armazena, compra e transporta produtos de origem vegetal sem licença.
Ou seja, mesmo quando uma empresa não comercializa madeira (ou apenas a utiliza como insumo), ela permanece responsável por comprovar a legalidade da origem do material e emitir a devida licença.
Comprovação de origem legal da madeira e documentais obrigatórios
Comprovar a conformidade das empresas perante órgãos ambientais, auditores independentes e certificadoras é fundamental para evitar autuações, sanções administrativas e até responsabilizações penais.
A legislação não exige um formato único de documento de comprovação, o que varia de acordo com o tipo, a origem e a destinação da matéria-prima florestal. No entanto ela determina que é necessário demonstrar, a qualquer tempo, a legalidade da madeira ou do subproduto florestal utilizado.
Para isso devem ser mantidos documentos que evidenciem a conformidade legal de toda a cadeia produtiva – inclusive com relação aos fornecedores.
Entre as principais formas válidas de comprovação estão:
- Notas fiscais detalhadas contendo a identificação do produto, da espécie florestal e da origem da madeira;
- Declarações ou laudos de fornecedores, informando a procedência da matéria-prima e o tipo de floresta (nativa ou plantada);
- Certificações de cadeia de custódia, como FSC, PEFC ou Cerflor, que asseguram práticas sustentáveis e rastreáveis ao longo do ciclo produtivo, que podem ser utilizadas como evidências complementares
- Registros internos de rastreabilidade, integrados aos sistemas de compras, logística e controle de estoque;
- Arquivos e evidências de consultas ao DOF ou Sinaflor, sempre que aplicável;
- Relatórios de auditoria ou inspeção interna que confirmem a conformidade periódica com a legislação florestal.
Essas medidas fortalecem o compliance ambiental florestal, permitindo que a empresa demonstre a boa-fé, a diligência e o controle efetivo da legalidade de seus insumos, o que é essencial em eventuais fiscalizações, auditorias de certificação ou processos administrativos.
Mudas de plantas: requisitos legais para comprovação da conformidade legal
A comprovação de origem de mudas de plantas para uso interno também é obrigatória e sua empresa deve seguir regras específicas da legislação federal.
De acordo com o Decreto Federal nº 10.586/20, que regulamenta a Lei de Sementes e Mudas (Lei nº 10.711/03), todo material de propagação vegetal - o que inclui mudas, sementes e outros materiais reprodutivos - deve estar acompanhado dos documentos oficiais de origem e conformidade, tanto na compra quanto no transporte e armazenamento.
Art. 96. Na comercialização, no transporte e no armazenamento para terceiros, o material de propagação deverá estar acompanhado da nota fiscal e do atestado de origem genética ou do certificado de sementes ou de mudas ou do termo de conformidade, conforme o caso, e do termo aditivo, se houver.
1º Ocertificado de sementes ou de mudas ou o termo de conformidade poderá ser expresso na embalagem, de acordo com o disposto em norma complementar.
2º Anota fiscal, inclusive aquela emitida para a devolução de material de propagação, deverá conter as informações mínimas exigidas em norma complementar.
(...)
Esse controle documental assegura a rastreabilidade e a conformidade fitossanitária e genética das mudas utilizadas em projetos de reflorestamento, recomposição vegetal ou produção vegetal.
Documentos para comprovar a origem das mudas de plantas
O Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM) é um cadastro público federal destinado ao credenciamento e controle dos produtores, comerciantes, reembaladores e prestadores de serviços relacionados à produção e ao comércio de sementes e mudas.
O registro no RENASEM é obrigatório para quem produz ou comercializa mudas, mas não substitui por si só a documentação comprobatória de origem exigida da empresa compradora.
Ou seja, o simples fato de o fornecedor possuir registro ativo no RENASEM não basta como evidência de origem legal. De acordo com o artigo 31 da Lei de Sementes e Mudas, é necessário que cada lote de mudas adquirido esteja acompanhado de documentos específicos que assegurem sua rastreabilidade e conformidade.
Art. 31. As sementes e mudas deverão ser identificadas, constando sua categoria, na forma estabelecida no art. 23 e deverão, ao ser transportadas, comercializadas ou estocadas, estar acompanhadas de nota fiscal ou nota fiscal do produtor e do certificado de semente ou do termo de conformidade, conforme definido no regulamento desta Lei.
A Instrução Normativa MAPA nº 17/2017, em seu art. 58, complementa essas exigências, estabelecendo que a nota fiscal de venda deve conter, no mínimo:
- Número de inscrição no RENASEM do produtor ou reembalador;
- Identificação completa do comprador (nome, CPF/CNPJ e endereço);
- Quantidade e identificação de cada lote de mudas ou material de propagação, com indicação da espécie e cultivar;
- Número do Termo de Conformidade dos lotes comercializados.
Conclusão
Garantir a origem legal dos produtos florestais é mais do que uma exigência normativa: é uma prática essencial de responsabilidade ambiental e compliance.
Ao manter a documentação rastreável, os fornecedores regularizados e os controles internos bem estruturados, sua empresa garante mais segurança jurídica, confere mais sustentabilidade aos processos e adquire mais credibilidade institucional — além de evitar multas, responsabilizações diretas e indiretas.